(Para Lúcia Castello-Branco, e seus alunos)
Querida Lúcia,
__________________________, falta-me uma flor branca para compor, com rigor, um ramo lilás. Essas, são as cores de hoje. E, para saber com rigor onde me encontro, hoje, fui ao jornal ver-lhe a data. Comparei-a, intuitivamente e em silêncio, com a mesma data dos anos anteriores. Com a perturbação de escrever, senti que a vida cresce para uma forma ou ramo, que espero ainda ver.
Flutua sobre a linha dos livros, desde os primeiro, e
desde os anteriores aos primeiros,
que não escrevi e colho, em cada um, a flor emblemática da sua recordação. A este colher chamarei autobiografia de um legente.
Alguém que colhe a flor que falta para que se acalme a minha perturbação pessoal,
alguém que colhe o tom de cada um dos títulos que escrevi,
alguém que traga o ramo que
fiz da minha vida
ao facto de ler identificada com o legente que se estende, mais esguio e inquieto.
ao lado da que escreveu. Em cada livro
escrito há – lido –, um portal, um alpendre.
Entrar, de novo, por eles adentro,
e repetir o acto de amor com que os escrevi. Aceitar o pedido
que me trazem
de entrar outra vez,
e de sentar-me, perturbada pelo corpo, onde o legente preferir,
sentar-me com ele a saborear o matiz, a linha, o tom,
dizer-lhe “é pensamento”,
e deixa-lo, de novo, cair da memória, no fio de água do texto.
A essa autobiografia que escreverei comigo, com ela lendo, chamarei ramo,
subentendendo a árvore florida
no prado da minha casa
ou no corredor da minha vida.
Pois o texto ________________________
Mais para cima da fonte há outro livro – O Senhor de Herbais –, que é o lugar ermo onde a figura do legente nasceu para acompanhar a singularidade desta escrita. Ele partilha comigo a dor do sentido que aflorece, e se desvanece.
Mas nunca o sentido progressivo se ocultou.
Há ainda outro livro emergente
de homens marginais, a segurar, sob a vontade dilacerante dos poderosos, o texto do mundo. É uma dor rápida que os curva de mãos agarradas ao vento. Nunca mais lhe chamarei Joshua, Companheiros e Amantes, mas
O Homem Nu.
Penso nas companhia estelares de galáxias e no brilho que assumiram, a meus olhos, os sem terra e os vagabundos. Legentes da dor sem saber ler. Desprovidos de actos voluntários, nasceram com fome.
E está estabelecido pela ficção (que não o texto) do mundo que passarão fome
e
É urgente que saibam que a doença de que sofrem
é a que teve – de que continua a padecer –, Baruch Spinoza.
Tenho de voltar a Herbais para, com uma estaca, firmar aí minha vida. A esse território contemplativo dos legentes
antes de partirem para a batalha que lhe há-de multiplicar as terças
e decuplicar o olhar reticente.
Continuo a ler que lê, numa música acelerada – cascata rápida de intuições e fulgores. Saí para o meu pátio, noutro lugar diferente deste a pujança acumula-se e borda novo texto de que tenho absoluta necessidade. Quero partilhá-lo lê-lo. Começais a vir, dando-me companhia que eu por nada trocaria.
É o cume do jardim que o pensamento permite, conforme os escrevi um dia.
Talvez ainda outro livro a surgir por detrás da toalha com que limpo o rosto esta manhã. Esqueci-me certamente de algum por ele só encetar, neste momento, o caminho do desconhecido.
Um dos legentes disse:
– Conhecemos profundamente o descanso do texto.
Estou mais próxima, e sei que vou partir.
Finalmente, eu passei apenas pela escrita. Palavra feminina como eu.
Estou a acrescentar-lhe um ramo enquanto cresce a árvore florida ______________
– MGab Llansol